Foto: The New York Times
Jessika Laloi se prepara para seu primeiro mergulho de snorkel em Cotes des Arcadin, no Haiti, ao lado de Gregor Hodgson e outros voluntários
Organização dos Estados Unidos treina moradores locais a mapear fauna marinha do Haiti, castigada pela sobrepesca
Era uma manhã de verão imaculadamente clara, um dia perfeito para o mergulho. Ainda não havia lixo na praia. Alguns voluntários muito animados, alguns um pouco apreensivos, colocaram máscaras e entraram no mar quente, ansiosos para participar de uma equipe de eco-mergulhadores responsáveis pelo levantamento e talvez um dia por ajudar a salvar os corais em perigo no Haiti.
Apenas uma coisa estava em seu caminho: para a maioria deles – como Jessika Laloi, 21 – esta era a sua primeira vez no oceano. Até alguns meses atrás, Laloi nem sequer sabia nadar cachorrinho.
Agora ela estava no oceano em shorts e regata, com um colete salva-vidas amarrado ao seu corpo, deixando de lado os tumultos que tomaram conta de sua vida desde que sua casa desabou no terremoto que abalou o país um ano e meio atrás.
"Mergulhar e nada são maneiras de perceber que você está no ambiente", disse Laloi. "Você é parte dele. Você não tem que destruí-lo."
A degradação ambiental é abundante no Haiti – desmatamento, erosão, poluição – e na maioria das vezes é difícil de não ver. Mas há décadas o ambiente marinho do país sofre sem que ninguém soubesse. Seu sistema de corais, uma atração para mergulhadores estrangeiros na década de 1970 e 80, em grande parte morreu por causa da sedimentação e das mudanças climáticas, mas principalmente da pesca excessiva.
"É provavelmente a pior sobrepesca que eu vi no mundo", disse Gregor Hodgson, diretor do Reef Check, uma organização sem fins lucrativos da Califórnia que monitora a saúde de corais ao redor do globo. Hodgson, que tem liderado o treinamento de Laloi e seus companheiros haitianos, disse que sua organização tem trabalhado em corais de 90 países.
Meses após o terremoto que devastou Porto-Princípe, Hodgson voou para o Haiti para inspecionar os corais, verificando se havia danos causados pelo terremoto. Em vez disso, ele encontrou algo mais alarmante: milhares de corais morto e quase nenhum peixe. Ele estima que cerca de 85% dos corais do recife local morreram.
No Haiti 54.000 pescadores dependem do oceano para a sua subsistência, de acordo com o Ministério da Agricultura, que supervisiona a gestão da pesca. Nas últimas décadas, conforme os peixes que pescam mais normalmente desapareceram, muitos deles passaram a sobreviver com o uso de rede e lança na pesca de peixes pequenos que vivem nos recifes de corais. Agora, esses também quase desapareceram totalmente, e as algas tomaram conta.
Em um mergulho recente perto da Ilha La Gonave, Hodgson encontrou um imenso coral morto, coberto por algas e esponjas e quase desprovido de peixes.
O Haiti tem a segunda maior costa de todos os países do Caribe, mas é o único que não estabeleceu áreas marinhas protegidas, onde a pesca é restrita ou fora dos limites, de acordo com o Programa Ambiental da ONU. Então, o Reef Check decidiu fazer um levantamento dos recifes e propor que o governo haitiano crie parques marinhos onde os peixes podem se alimentar, crescer e se reproduzir.
"É uma situação incomum entrar em um país onde não há ecologistas marinhos e não programas de biologia marinha nas universidades", disse Hodgson. "Estamos começando do zero."
Pierre Guy Lafontant, diretor geral de pesca do Haiti, reconheceu que a pesca excessiva é um problema, mas que as autoridades foram receptivas à ideia de estabelecer águas protegidas. Mas se o governo não consegue impor seus regulamentos de pesca existentes, será que os pescadores poderão ser persuadidos a obedecer a existência de uma linha invisível na água?
"Isso seria o meu sonho mais profundo", disse Lafontant, "mas a realidade é totalmente diferente. Para os pescadores, não há alternativas. A pobreza é a lei."
Henry Hilaire, pescador há 36 anos, removia as redes de um barco com vários outros haitianos em águas que o Reef Check espera eventualmente serem protegidas.
"Nós não encontramos peixes o suficiente", disse Hilaire sobre sua pesca, "mas temos que levar o que encontramos. Não é peixe suficiente para ganhar a vida."
Hilaire tirou dois peixinhos da sua rede, cada um de cerca de cinco centímetros de comprimento. "Eles são realmente muito novos para manter", disse ele, mas "as circunstâncias são tais que se não mantivermos, nós passaríamos fome."
Muitos dos mergulhadores em treinamento do Reef Check foram solidários com os pescadores.
"Eles estão desesperados, tentando sobreviver, então é muito difícil dizer que não podem pescar aqui", disse Romain Louis, 37, professor de literatura que espera se tornar parte da equipe de eco-mergulhadores.
Sob a orientação do Reef Check, quando os voluntários demonstram proficiência em natação e mergulho, eles podem aprender a mergulhar, mapear os corais e contar as espécies cruciais de peixes, ouriços e lagostas – basicamente tudo que as pessoas gostam de comer.
A organização começou a recrutar mergulhadores voluntários no início deste ano, mas o processo tem sido lento. De acordo com Hodgson, apenas um dos 30 candidatos selecionados para um teste de piscina em abril sabia nadar metade do seu comprimento. O resto não sabia nadar.
Mas apesar da falta de experiência, os voluntários demonstram paixão e curiosidade.
"É emocionante", Melissa Barbot, 24, estudante de arquitetura, disse depois de um mergulho com snorkel. "Esta é a minha primeira vez e naturalmente estou maravilhada."
Para alguns estudantes, aprender a mergulhar também provou ser terapêutico.
"Quando eu vi o quão fantástico é", disse Laloi sobre a água, "eu esqueci que vivo numa região muito feia."
Antes do terremoto, Laloi era estudante universitária formada em medicina. Quando o terremoto começou, ela pulou do segundo andar de sua casa, pois ela estava desmoronando ao seu redor. Depois disso, ela viveu com sua tia em uma tenda e passou a atender feridos pela Cruz Vermelha.
"Meu cabelo começou a cair e eu ganhei muito peso – eu fiquei grande", disse ela. "O psicólogo disse que era estresse."
No final de seu terceiro dia de aulas com o Reef Check, Laloi saiu da água eufórica e um pouco sem fôlego.
"Foi um alívio", disse ela, olhando para o oceano. "Quando eu estava lá, eu esqueci do terremoto. Esqueci de tudo, da minha tristeza, tudo. Era como se eu estivesse vivendo uma nova vida."
"Eu vou vir aqui muito, muito, muitas vezes para que eu possa ver o mar", acrescentou. "Eu acho que os peixes estão felizes em me ver."
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