JAC SSONE ALERTE, ENGENHEIRO HAITIANO: "NÃO PRECISAMOS ESPERAR O GOVERNO"

"Dialogar com pensamentos diferentes para construir um significado único é muito poderoso", 
diz o engenheiro haitiano Jac Ssone Alerte - Márcia Foletto / Agência O Globo

01/04/2018

Formado pela UFRJ, haitiano lançará, no dia 4, o livro ‘Reconstruindo um sonho’, sobre seu projeto de erguer 15 casas populares sustentáveis em seu país

Por Júlia Amin

“Tenho 32 anos, dez irmãos e nasci no bairro de Don De L’Amitié, no Haiti, numa condição miserável. Tive o privilégio de conseguir sair para estudar na UFRJ. Quero completar meu ciclo aqui para ajudar as pessoas de lá.”

Conte algo que não sei.

Construir de forma sustentável é visto como algo caro. Mas gastar um pouco mais no começo significa economizar no futuro. O biodigestor e a placa fotovoltaica são itens sustentáveis, que têm um retorno vantajoso a médio e longo prazos. O tijolo ecológico é diferente. Você constrói de forma mais barata, a matéria-prima para fabricá-lo não agride o ecossistema como um tijolo convencional, e o resultado é melhor. Não é bruxaria, é engenharia.

Na prática, quais são as vantagens desse tijolo?

O tijolo ecológico só usa solo arenoso, cimento, um pouco de cal e água. Ele permite o planejamento sistemático da construção. Cerca de um terço do tijolo cerâmico é descartado na obra. Isso é dinheiro. Ao colocar um tijolo ecológico sobre o outro, você dispensa argamassa. A parede fica uniforme e não é necessário reboco. Por ser fabricado a frio, sem queimar, pode ser feito no próprio lugar da obra, sem necessidade de energia elétrica. Seus buracos servem como estrutura para colocar os vergalhões, além de facilitar as instalações elétrica e hidráulica. Também deixa a casa mais fresca. Em uma semana, você sobe uma parede. Somando essas vantagens, no final, haverá uma economia de até 40% no custo da obra.

Muitos programas habitacionais não consideram as relações sociais entre as pessoas que vão habitar as moradias. Em seu projeto de construção de casas populares no bairro onde você morava no Haiti, isso é levado em consideração?

Para criar uma vila do zero, é preciso entender do que precisam aquelas pessoas, que sofreram com o furacão em 2016. Não estamos construindo uma moradia, estamos construindo um sonho. No Haiti, por causa dos desastres naturais, as pessoas pensam em segurança, em primeiro lugar, e no social.

Como você vai fazer isso?

Vamos construir a vila com a mão de obra local, empoderar a população com o mutirão. É um trabalho de educação. Não precisamos esperar o governo; sempre digo que o governo não consegue por si só resolver todos os nossos problemas. Até porque o equipamento público nunca chegou neste local. Temos que ensiná-los a fazer os tijolos e todos os processos da construção. Depois disso, você dá o exemplo para outras comunidades de que esse trabalho é possível, que não é preciso esperar o homem branco chegar para trazer melhorias.

Você acha que mutirão é a forma mais eficiente de construir moradias e de transformar as pessoas?

Sim, é uma estratégia se for bem coordenada. Precisamos de líderes visionários. Um projeto pode ser maravilhoso, mas ele precisa de uma engenharia social. No mutirão, não falamos só para a pessoa construir a casa, falamos: "Você é capaz de fazer por conta própria, unindo-se com seus vizinhos.” Dialogar com pensamentos diferentes para construir um significado único é muito poderoso. A pessoa se sente valorizada. Isso é educação.

O que já foi feito até agora?

São muitos desafios, porque a proposta começou do zero. Conversei com líderes locais e meu pai doou um terreno de 20 mil metros quadrados para o projeto. O segundo desafio foi planejar o bairro e reflorestá-lo. Plantamos várias árvores. Depois busquei conhecimento na UFRJ, mergulhei a fundo na técnica solo-cimento, e em como gerir pessoas. Agora busco gente e empresas para me ajudarem. Também vamos fazer um curso de capacitação para 20 haitianos que moram no Brasil e querem voltar. Todo valor arrecadado com a venda do livro vai para o projeto. Estou tentando captar recursos para tirar essas 15 famílias da situação vulnerável em que vivem, esse é o meu maior sonho.

Fonte: O Globo


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