ENTREVISTA / Moema Salgado
Formada em Direito pela UFRJ e com pós graduação em Ciência Política no Institut d‘Etudes Politiques de Paris, Moema Salgado vem usando seus conhecimentos na área do Direito para ajudar populações de baixa renda a resolver seus próprios conflitos.
Seu primeiro contato com a ONG Viva Rio e com o tema da mediação de conflitos foi em 1999, quando trabalhou no projeto Balcão de Direitos nas comunidades da Babilônia, Chapéu Mangueira e Pereira da Silva, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
De lá para cá, Moema teve a oportunidade de trabalhar na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em Paris, no Ministério da Cultura do Brasil, no Ministério das Relações Exteriores francês em diversos projetos internacionais.
Desde julho de 2010, está no Haiti coordenando o projeto implementado pelo Viva Rio na área de Bel Air - favela da capital Porto Príncipe - “Mediação de Conflitos Interpessoais”. Para Moema, mediar conflitos “significa valorizar o diálogo, incentivar a participação e a responsabilização da população e reforçar os vínculos comunitários.”
Quais são os principais objetivos e atividades realizadas pelo projeto?
No âmbito das ações de segurança comunitária e prevenção da violência realizadas pelo Viva Rio em Porto Príncipe desde 2007, o projeto Mediação de Conflitos Interpessoais tem como objetivo principal promover uma forma alternativa pacífica e acessível de resolução de conflitos interpessoais. Promover a mediação de conflitos significa valorizar o diálogo, incentivar a participação e a responsabilização da população, além de buscar reforçar os vínculos comunitários.
Resultado de uma parceria entre ISER e Viva Rio, o projeto começou a ser implementado em junho de 2010. Suas principais atividades são: mobilização de parceiros locais e internacionais (líderes comunitários, associações, escolas, governo local, organizações internacionais etc); formação de mediadores e de formadores (elemento importante à multiplicação do projeto), e a disponibilização dos serviços de mediação propriamente ditos. O Centro de Mediação de Conflitos Interpessoais (CMCI) está aberto ao público desde janeiro de 2011.
Que tipos de conlfitos são tratados no projeto?
Atualmente, os principais beneficiários são os moradores da região da grande Bel Air; pessoas que estão em conflito com outras, mas que, por alguma razão, não querem ou não têm condições de acessar a Justiça formal ou outras autoridades governamentais.
Importante destacar que a mediação de conflitos possui limites e não pode resolver todos os tipos de conflito. A mediação pode ser uma alternativa em caso de conflitos de família, de vizinhança, dividas, ou outros desentendimentos que não atingiram a violência física. A mediação pode, portanto, ser um instrumento importante na prevenção da violência, através da promoção do diálogo entre as pessoas envolvidas no conflito.
No entanto, quando o conflito já atingiu o nível irreversível da violência física ou quando há delitos, crimes ou violações de direito envolvidos na disputa, não há espaço para a mediação de conflitos, é necessário recorrer às autoridades competentes e às instâncias formais de resolução de conflito (tribunais, policia, organismos de proteção).
E o Viva Rio faz tudo isso sozinho?
O Viva Rio Haiti procurou estabelecer algumas parcerias muito importantes, como com a Polícia Nacional Haitiana (PNH) e com a International Legal Aid Consortium (ILAC), uma organização que instalarà, provavelmente em junho, um escritório de assistência jurídica gratuita em Kay Nou ao lado do Centro de Mediação de Conflitos Interpessoais (CMCI). O objetivo é o de criar uma passarela de colaboração entre advogados e mediadores no intuito de tratar cada caso de conflito conforme suas necessidades.
Qual é o perfil do mediador?
Na mediação comunitária, que é o que estamos buscando implementar no projeto, o mediador deve ser um morador da comunidade. Isto facilita o diálogo e coloca as partes em conflito mais à vontade, pois sabem que o mediador compreende a realidade em que vivem. Além disso, o mediador deve ter uma boa capacidade de escuta e análise do problema e dos interesses envolvidos; precisa ser imparcial e não propor soluções, pois são as partes envolvidas que decidem; deve ter flexibilidade e deve manter confidenciais todas as informações tratadas na sessão.
Como o projeto foi recebido na comunidade?
O projeto foi muito bem recebido pela comunidade. Inicialmente, com um pouco de ceticismo, pois o contexto das comunidades no Haiti - sobretudo depois do terremoto de janeiro de 2010 - é muito marcado pelos inúmeros conflitos de proximidade, muitas vezes resolvidos por meio da violência. Mas o trabalho de sensibilização feito pela equipe junto às igrejas, escolas, lideranças comunitárias e outros grupos tem surtido efeito e gerado muito interesse por parte da população.
Qual é a maior dificuldade do projeto hoje?
Temos alguns grandes desafios que estão por vir. O primeiro deles eu diria que é a apropriação da cultura da mediação e do diálogo como forma de resolução de conflito pela comunidade. Num plano mais especifico, a apropriação do projeto pela comunidade, e que o Centro de Mediação de Conflitos Interpessoais de Kay Nou (espaço comunitário do Viva Rio) se torne um espaço frequentado e acessível à população, um espaço de serviços de mediação, de diálogo, de referência e de cidadania.
Outro grande desafio é a ampliação geográfica do projeto para outras áreas, bairros, municípios. Mas para que isso ocorra, precisamos solidificar o Centro de mediação, que é um projeto piloto na área.
Os acordos fechados nas mediações feitas pelo projeto do Viva Rio são reconhecidos pelo governo haitiano?
Esse é um grande desafio que temos. Diz respeito ao debate sobre a homologação dos acordos assinados nas sessões de mediação. Seria importante que, de alguma forma, o Estado haitiano pudesse homologar, validar o que foi acordado na mediação. Mas esta discussão sobre a importância ou não da formalização dos acordos de mediação ainda está em aberto, tendo em vista que uma das características principais da mediação é justamente a informalidade e a flexibilidade.
Quais foram os impactos causados pelo projeto na comunidade?
Considerando que o CMCI foi efetivamente aberto ao público em fevereiro (o período de agosto a janeiro foi dedicado à formação dos mediadores, consolidação da equipe e mobilização de parceiros), ainda é cedo para realizar um balanço sobre o impacto do projeto na comunidade. Além disso, o trabalho de comunicação e sensibilização está sendo feito aos poucos na comunidade, o que faz com que a somente parte da população esta ciente da existência do CMCI e mesmo estando ciente, ainda não incorporou o hábito de recorrer a ele.
Mas dara para citar alguns resultados?
Fizemos um levantamento parcial de fevereiro a abril, o qual indica que 16 casos foram recebidos no centro de mediação, sendo que oito chegaram a um acordo e um termo de mediação foi assinado. Três casos não tiveram sessões de mediação, pois as partes chegaram a um acordo antes. Em três casos o CMCI não conseguiu contatar as partes contrárias, um caso ainda está sendo acompanhado e um foi encaminhado à outra instituição.
Deste balanço, algumas observações podem ser destacadas: os casos de dívida e empréstimos são recorrentes. Isto retrata as dificuldades econômicas e de liquidez da população local. Em 10 dos 16 casos apresentados, foram mulheres que procuraram o centro de mediação. Em 50% dos casos de conflito houve ameaça e/ou violência. Mas ao contrário do esperado pela equipe, poucos casos de conflito/violência doméstica foram apresentados até agora.
Quais são as suas expectativas para o projeto no longo prazo?
No longo prazo, esperamos que o projeto possa ser legitimado, reconhecido e apropriado pela comunidade. Se o número de conflitos interpessoais resolvidos de forma violenta diminuir na região de Bel Air, será uma grande conquista. Certamente não será resultado exclusivo da mediação, mas ela poderá contribuir. O objetivo maior é mesmo a promoção da cultura do diálogo.
Esperamos, ainda, que o projeto possa ser multiplicado e que outros centros de mediação possam ser criados no Haiti. Enfim, gostaríamos de poder colaborar com as instâncias formais diminuindo as demandas em casos de conflitos menores nos tribunais e comissariados de polícia. Estamos conscientes de que é um projeto ambicioso, novo e de longo prazo. Sabemos também que estamos apenas no começo, mas acredito que vale a pena sonhar alto e trabalhar duro para chegar a resultados concretos e duradouros.
Fonte: Comunidade Segura
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